A edição alemã de A Sociedade do Protesto traz em sua quarta capa a curiosa foto de uma pichação contra o autor do livro. Weg mit Pross! „fora Pross!“ ou „fora com o Pross!“. Legenda: „Contradito sem efeito contra o autor no Instituto de Comunicação na Universidade Livre de Berlim“. Harry Pross era o diretor do Instituto nos turbulentos anos pós-68. Seu tradutor para o espanhol, Vicente Romano, em sua introdução-depoimento ao livro de Harry Pross, Violencia de los Símbolos Sociales, conta que, logo após a pichação, o mestre a fotografa e envia aos amigos como cartão de Natal. Este fato ilustra a capacidade de ler o inusitado e de ser inusitado. Assim é este livro. Propõe-se a ler o fenômeno do proteste como mídia, como restabelecimento de vínculos comunicativos, e não como sua ruptura.
E isso tem um sentido muito especial para Harry Pross, um dos maiores pensadores da mídia, autor de uma reflexão inovadora e extremamente operacional para a compreensão dos processos comunicativos em sua dimensão social e polftica. Já em 1972 publica em seu Medienforschung (Investigação da Mídia) algumas das
mais agudas e desmistificadoras classificações dos meios de comunicação. Uma vez que mídia é meio, nada melhor que compreendê-Ia como tal; para tanto, quanta mais „intermediários“, mais complexa será a mídia. A mídia primária é aquela que não necessita de nenhum aparato que não o próprio corpo e suas linguagens. A mídia secundária introduz um aparato de amplificação do emissor, permitindo a este expandir-se no tempo e no espaço. A mídia terciária requer um aparato do emissor e um aparato do receptor, tornando a mediação menos direta mas ampliando os espalços e tempos de vinculação comunicativa, aumentando assim também os campos de distribuição de simbolos por parte dos detentores de instituções de comunicação. 0 mais interessante, porém, é que esta abordagem dos processos comunicativos nos permite enxergar com clareza que não há mídia terciária sem as anteriores. E que o desenvolvimento da mídia não é substitutivo, mas cumulativo. Em outras palavras, um novo médium não substitui a mídia anterior e arcaica, mas a incorpora.
Diante desse quadro, ganha um sentido penetrante a leitura do protesto e dos contraditos realizada por Harry Pross. Mostra o retorno à mídia primária (o corpo presente) — em sua calorosa eloqüência — e secundária (as faixas, a escrita) quando a comunicalção de uma sociedade com seus grupos está inoperante.
Mas, ao lado da agudeza teórica e crítica da comunicação, convive uma dimensão do pensador que o depoimento que se segue pode ilustrar bem. Na qualidade de aluno de doutorado e comovido admirador, pude presenciar quandó Harry Pross se despediu em 1983 da Universidade Livre de Berlim com a confêrencia „0 kitsch mídia e a mídia kitsch“. 0 mestre se retirou para sua aldeia nos Alpes alemães e iniciou aí um ciclo de dez anos de um seminário para discutir problemas da comunicação. Convidou para esses encontros anuais as figuras mais expressivas do pensamento crítico da comunicação, de Lev Koppelev a Vilém Flusser, de A. Moles a Hertha Sturm. Em meio à oposição dos censores e rígidos acadêmicos de plantão, o velho professor anunciou em 1993 o décimo e último Kornhaus-Seminar, em cuja abertura declarou lapidarmente: „Aprendemos em dez anos que, para a comunicação, nenhuma lei é mais importante do que a tolerância“.
É com essa sensibilidade que analisa n’A Sociedade do Protesto os importantes fatos sociais e políticos dos momentos de crise que deságuam nas passeatas, nas faixas, nas palavras de ordem e similares. A combinação inusitada que Prass nos oferece, uma aproximação entre proteste e tolerância, protesto como tolerância, é marca do mestre.